Comentários dos primeiros dias do judô nas Olimpíadas Rio 2016 – por Paulo Duarte

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Estamos reproduzindo aqui os comentários dos 3 primeiros dias de judô nos Jogos Olímpicos Rio 2016 do Sensei Paulo Duarte – Kodansha, autor do livro “Judô – A educação para todos”.

PRIMEIRO DIA

No primeiro dia de competições nossos representantes: Sara Menezes (48 kg) e Felipe Kitadai (60 kg) não conseguiram chegar ao pódio. Suas apresentações oscilaram entre momentos que nos lembraram grandes feitos do passado, e outros que mostravam que encontrariam muitas dificuldades para seguirem adiante em razão da vulnerabilidade que apresentavam quando as ações eram controladas pelos adversários. Essas ações, incluíam um forte ritmo de luta e o domínio da pegada no quimono. Isso fez com que nossos atletas se perdessem durante as lutas.

Sara Menezes x Van Snick (Bel)

Sara fez uma grande exibição diante desta experiente atleta belga. Pareceu-me muito tranquila. A expectativa criada em torno de seu nome, não a abalou. Comandava as ações e deslocava-se com facilidade. A atleta belga é que parecia estar muito tensa por ter de enfrentar a campeã olímpica em sua terra natal.
Desde o início da luta, Sara dominou a pegada. Sua mão esquerda neutralizava muito o bem o braço direito de sua adversária não permitindo que ela esboçasse alguma reação. Em determinado momento, Sara, inteligentemente, aliviou a pressão que fazia com sua mão esquerda permitindo que sua adversária levantasse o braço. Aproveitando-se muito bem da oportunidade que conscientemente criou, aplicou um sotomakikomi e conseguiu um yuko. Voltando a dominar a pegada no quimono conduziu a luta até o seu final saindo vencedora.

Sara Menezes x Dayaris Mestre (Cub)

Antes da análise da luta, há que se fazer um registro dos confrontos entre Sara e Dayaris ao longo dos tempos. Segundo uma estatística apresentada por um dos comentaristas da televisão, houve 11 confrontos entre Sara e Dayaris. Sara venceu 8 e Dayaris 3.
Se Dayaris levou uma grande desvantagem, era de se esperar que a mesma viesse para a luta com muito cuidado. Mas, o que vimos foi surpreendente. Dayaris iniciou o combate com uma volúpia impressionante. Partia para cima da Sara que se encolhia enquanto a cubana crescia. Com essa atitude a cubana fez com que a brasileira fosse penalizada com um shidô. A partir daí, Dayaris percebeu que esta era a maneira correta de lutar com a Sara. Sem conseguir se encontrar na luta Sara se confundia, ainda mais, com os ataques constantes de Dayaris. Num desses ataques a atleta cubana desferiu um fortíssimo sodetsurikomigoshi que por pouco não se converteu em ponto. Buscando força para chegar dignamente ao final da luta, Sara ainda fez um uchimata. Mas foi só.

Sara Menezes x Munkhbat (Mgl)

Outra luta em que sua adversária procurou seguir os passos da rival anterior. Assim como Dayaris, Munkhbat também é bem mais alta do que Sara e possui, portanto, maior envergadura. Iniciou a luta partindo para cima e soltando o braço nas costas da brasileira que se utilizou do mesmo expediente da luta com a cubana. Ou seja, curvou o corpo. Sabendo que, da posição em que Sara se encontrava não poderia sair nenhum golpe que lhe trouxesse perigo, a atleta mongol encurtou ainda mais os espaços e induziu a brasileira a cometer seguidos erros. Toda vez que Sara tentava aplicar algum golpe, caía de joelhos no tatami. Num desses movimentos Munkhbat passou para suas costas e numa passagem para a luta de solo pegou uma chave de braço (jujigatame) que Sara resistiu bravamente. Mas, numa segunda oportunidade, não houve jeito. A chave dessa vez pegou e Sara teve que se render. E com essa rendição, infelizmente, foi-se o sonho de medalha.

Felipe Kitadai x Walid Khyar (Fra)

Kitadai começou espetacularmente. Desferiu 2 ouchigaris que por pouco não marcou ippon. Vendo que corria um grande risco de cair se lutasse à distância, o atleta francês começou a encurtar os espaços e a segurar muito forte no alto da gola do brasileiro que, diferentemente do francês – que alterou a sua estratégia de luta para não cair no ouchigari – curvava o corpo facilitando o domínio da pegada exercido pelo francês. Isso mudou, consideravelmente, o desenrolar da luta. A supremacia que parecia seria imposta por Kitadai, passou para o lado de Walid. O transcorrer da luta foi toda favorável ao atleta francês que se impunha com muita determinação no combate. Porém, faltando 6 segundos para o final da luta, Kitadai aplica um sotomakikomi e consegue um yuko.

Felipe Kitadai x Englmaier (Ger)

Nesta luta, Kitadai foi mais tático. O atleta alemão não tem muitos recursos técnicos. É vigoroso, mas em nenhum momento ameaçou a estabilidade do brasileiro. Por ser muito baixo e ainda lutar curvado, dificulta a entrada de seoinague que Kitadai costuma fazer. Restrito ao ouchigari como solução para conseguir uma vantagem, Kitadai elevou seu corpo na esperança que o alemão o acompanhasse. Deu certo. O alemão também elevou o seu corpo proporcionando a oportunidade que o brasileiro esperava para fazer o ouchigari. Marcou yuko e deu números finais ao combate.

Felipe Kitadai x Safarov (Aze)

Excelente luta. Rápida, intensa, objetiva. Kitadai encaixa um belíssimo ipponseoinague de esquerda, em pé. Colocou Safarov nas costas e não o arremessou. Na saída, Safarov encadeia um fantástico taiotoshi de mão trocada e marca ippon. Resta a Kitadai a repescagem.

Felipe Kitadai x Urozboev (Uzb)
Logo no início da luta, Urozboev desfere 2 golpes muito fortes que assustam Kitadai. Felipe procura revidar e tenta um ipponseoinague de esquerda que é neutralizado por Urozboev. A luta se desenrola com o atleta do Uzbequistão tomando todas as iniciativas do combate. A pegada de Kitadai não exerce controle sobre o adversário que se sente muito solto para se movimentar. O ombro desarmado, é um convite para quem faz sodetsurikomigohi. Urozboev não perdeu a oportunidade. Entrou em baixo do atleta brasileiro, encaixou o seu sodetsurikomigoshi, subiu com ele nas costas e o projetou de ippon. Era o fim do sonho de medalha para o nosso atleta.

SEGUNDO DIA

O segundo dia de competição também foi frustrante para o judô brasileiro. Nossos representantes: Érika Miranda (52 kg) e Charles Chibana (66 kg) não obtiveram classificação em suas respectivas categorias.

Chibana x Ebinuma (JPN)

Chibana iniciou o combate com muita disposição de vencer a luta. Levou Ebinuma para o solo e procurou de todas as maneiras encadear alguma técnica de ne-waza. Não conseguindo êxito, teve que atender ao comando de matte ordenado pelo árbitro para que os dois se levantassem e dessem prosseguimento à luta. Ebinuma percebendo que ganhava a “pegada por dentro” sem nenhuma dificuldade (Chibana é destro. Ebinuma canhoto.) aplicou um kosotogake na perna direita de Chibana que, ao ser projetado, virou de frente para não ser pontuado. Esse movimento surtiu o efeito esperado pelo atleta japonês: Chibana passou a lutar com o corpo muito curvado, tomando uma postura excessivamente lateral e com a cabeça completamente fora do eixo central do corpo; um convite auspicioso para quem faz osoto-otoshi. Ebinuma não teve dúvida. Projetou-o marcando yuko e o imobilizou em kuzure-yoko-shiho-gatame.
O perdedor do primeiro combate não tem o direito de voltar na repescagem. Infelizmente a olimpíada terminou aí para Charles Chibana.

Érika Miranda x Hela Ayari (TUN)

A atleta tunisiana não ofereceu nenhuma resistência para a brasileira. A superioridade de Érika ficou patente desde o início da luta. Impunha-se com autoridade e comandava todas as ações com muita tranquilidade. Numa entrada de ipponseoinague pelo lado esquerdo, mesmo sem pontuar, conseguiu levar sua adversária ao solo e a imobilizou em yoko-shiho-gatame.

Érika Miranda x Ma Yngnan (CHN)

Nesta luta a coisa se inverteu. A atleta chinesa foi quem obteve o domínio das ações. Iniciou a luta segurando forte em cima da gola do quimono de Érika que se sentiu muito incomodada com a pressão que a chinesa exercia. Percebendo que tinha o combate sob seu controle – Érika não procurava se desvencilhar dessa posição desfavorável – Ma Yngnan esperava que Érika, a qualquer momento, teria que intentar algum movimento para não ser punida. Era só uma questão de tempo. Continuou segurando mais forte e encurtou todos os espaços. Aconteceu o esperado. Érika foi tentar executar um ipponseoinague e ao sair estava com a postura extremamente curvada, cabeça baixa, com as duas mãos soltas. Sem ter como oferecer resistência, permitiu facilmente a aproximação da chinesa que a projetou em ouchigari, vencendo a luta.

Érika Miranda x Chitu (ROM)

Nesta luta, Érika se comportou de maneira diferente. Tomando uma postura de esquerda e utilizando sua maior envergadura impôs uma pegada muito forte com sua mão esquerda no alto da gola da atleta romena. Chitu ficou completamente perdida. Provavelmente, sabendo que Érika é destra esperava que a brasileira tomasse a postura migi-shizentai. Surpreendida com essa atitude da brasileira, não teve tempo para se reestruturar porque logo foi projetada com um belo uchimata de esquerda que a cravou de ippon.

Érika Miranda x Nakamura (JPN)

Novamente Érika iniciou a luta em posição de esquerda. Mantinha o controle da luta, comandava as ações, a atleta japonesa se mantinha estática sem ter como se mexer. De repente, Érika resolve mudar a pegada. Trocou a pegada de esquerda para a direita. Era tudo que Nakamura queria. Sentindo-se solta, começou a imprimir um ritmo de luta mais adequado ao judô que pratica. Para quem utiliza técnicas de ashi-waza – como é o caso da Nakamura – quanto mais desenvolta for a luta, mais oportunidades surgirão para a aplicação dessas técnicas. Foi assim que surgiu a oportunidade do ouchigari que lhe valeu a medalha de bronze.

TERCEIRO DIA

O terceiro dia de competição trouxe um grande presente para todos os brasileiros e, especialmente para mim que aniversario no dia desta conquista maravilhosa. Grato pelo presente Rafaela!
Após dois dias sem medalhas, o judô brasileiro subiu no degrau mais alto do pódio representado por uma atleta que na olimpíada passada foi penalizada por uma ação inconsciente: ao aplicar uma técnica tocou involuntariamente na perna de sua adversária e foi desclassificada. A regra havia mudado recentemente e os atletas ainda não estavam familiarizados com os novos conceitos. Mas, o seu caminho estava traçado. No ano seguinte foi campeã mundial em solo brasileiro. Agora, campeã olímpica no mesmo solo brasileiro. Vejamos sua trajetória.

Rafaela Silva x Roper (ALE)

O primeiro golpe desferido por Rafaela foi um espetacular uchimata que lhe valeu um wazari. Aturdida com a pontuação sofrida, a atleta alemã tentou dar o troco na mesma moeda; foi aplicar um uchimata mas não contava que Rafaela, já tinha percebido sua atenção e a aguardava com um contragolpe. Sofreu o segundo wazari e deu adeus à competição. Rafaela seguiu em frente e um final de tarde maravilhoso a aguardava.

Rafaela Silva x Kim (KOR)

Essa segunda luta causou mais preocupação pelo fato de ambas serem canhotas. A disputa pelo kumikata demandou muito cuidado de ambas as partes. Isso fez com que as duas atletas fossem penalizadas com shidô. Apesar da punição elas continuavam a dificultar a pegada uma da outra. Em dado momento, uma técnica não muito bem definida (próxima de um kosotogake) aplicada por Rafaela se converteu em wazari. Já demonstrando que estava muito segura de si e que sabia o que estava fazendo, Rafaela conduziu a luta até o seu final sem maiores atropelos.

Rafaela Silva x Karakas (HUN)

A atleta húngara é muito voluntariosa, mas tem pouco recursos técnicos. Sem mesmo estabilizar sua pegada atira-se ao ataque de qualquer maneira. Isso, de certa forma, dificultava a organização do ataque de Rafaela que esperava o momento adequado para realizá-lo. E esse momento chegou. Num momento em que Karakas diminuiu o ímpeto de seus ataques, Rafaela fez um excelente taniotoshi e conseguiu um wazari. Karakas procurou intensificar ainda mais os seus ataques mas nada de efeito foi produzido. Mais uma vitória de Rafaela que, cada vez mais, se aproximava do topo da tabela.

Rafaela Silva x Caprioriu (ROM)

A luta semifinal contra a atleta romena foi cercada de muitas expectativas em razão das duas se respeitarem muito. A pegada no quimono, raramente feita com as duas mãos, dificultava a ação das duas atletas. Como consequência, as duas foram punidas com shidô. Nos primeiros quatro minutos o placar continuou zerado, apontando, apenas, um shidô para cada uma.
No início do golden score, o desenvolvimento da luta continuava o mesmo até o terceiro minuto quando Rafaela encaixou um osotogari e a atleta romena abraçou sua cintura na intenção de projetá-la para trás. Rafaela, mais alta do que sua adversária, aproveitou a oportunidade enrolou sua perna na intenção de aplicar um osotogari. Sabendo que Caprioriu reagiria tentando jogá-la para trás, caiu em cima de sua oponente conquistando uma pontuação que deu números finais à luta. Estava classificada para a grande final.

FINAL
Rafaela Silva x Dorjsuren (MGL)

Arena carioca esperava a sua filha, também carioca de pé. Sentia-se no ar, o cheiro do ouro olímpico, embora sua adversária fosse da maior qualidade. Mas, com certeza, Rafaela amanheceu campeã. Seu semblante era de uma verdadeira campeã. Começou a luta e ambas buscavam o ataque com a clara intenção de definir a luta o mais rápido possível. Numa corrida pela lateral do shiaijô, a atleta mongol tentou aplicar um sasaetsurikomiashi que Rafaela contragolpeou com kosotogake. O árbitro marcou wazari, mas interrompeu a luta. Nossos corações pararam de bater. O golpe causou alguma desconfiança e teria que ser avaliado pela mesa central. Momento de muita expectativa. Parecia que Rafaela havia segurado a perna da mongol com sua mão direita. Mas não. Rafaela utilizou o cotovelo. Sua mão direita estava segurando a manga do quimono de sua adversária. O wazari foi confirmado. A medalha de ouro podia reluzir em seu peito.

Alex Pombo x Saiynjirigala (CHN)

Alex ganhou a disputa pela pegada e comandava muito bem as ações. Dava-nos a impressão que não teria maiores dificuldades na luta. Por várias vezes quase pegou o seu adversário no solo. Chegou a encaixar um sankaku-jime que por pouco não o fez bater. Porém, inexplicavelmente trocou sua pegada e passou a segurar mais abaixo na gola. Perdeu o domínio que vinha exercendo. Com isso o atleta chinês começou a se movimentar com facilidade até que, a 4 segundos do final, num movimento embolado, mal definido, conseguiu um yuko e venceu a luta. Era o fim da linha para o nosso atleta.

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Paulo Duarte

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