Fonte:
Gestão Esportiva
Por PAULO PINTO I Fotos BUDÔPRESS e ROBERT CLAY
Belo Horizonte – MG
Ação declaratória de nulidade de assembleia revela a enorme retração institucional da FMJ, e o judô mineiro assiste à disputa entre a federação e as diversas ligas de judô existentes no Estado
Faixa preta ni-dan e filho de Roberto Ferreira de Figueiredo, ex-presidente da Federação Mineira de Judô, o advogado Remo Ferreira de Figueiredo requereu em julho a concessão de medida liminar com pedido de tutela provisória de urgência de natureza cautelar incidental contra a Federação Mineira de Judô.
O mais novo imbróglio atinge uma das gestões mais polêmicas do judô contemporâneo no País e expõe as vísceras de uma modalidade que agoniza em função da quase total falta de comando, envolvendo em denúncias uma entidade cujos diretores renunciam sucessivamente e abdicam de cargos recém-assumidos.
Greve de árbitros, desobediência dos filiados, eventos vazios e com muitas horas de atraso viraram rotina e desacreditam uma gestão que, amparada pela Confederação Brasileira de Judô, persegue filiados, árbitros e professores que não concordam com os desatinos de um dirigente cada vez mais exposto, desassistido e isolado.
Atualmente a Federação Mineira de Judô divide o comando da modalidade com mais três entidades: Liga Triangulina de Judô, Liga Mineira de Judô e Liga Sul-Mineira de Judô. Ações inócuas de uma gestão frágil fortalecem entidades não oficiais que reúnem até professores kodanshas 9º dan.
Para esclarecer e dimensionar os recentes fatos do judô mineiro, a Budô entrevistou os três principais protagonistas da celeuma que envolve a Federação Mineira de Judô. O primeiro deles foi o advogado Remo Ferreira de Figueiredo, requerente da liminar que pretende parar a atual gestão.
Budô – O que levou o Judô São Geraldo a pleitear a anulação da assembleia eletiva da FMJ?
Figueiredo – O que de fato levou o JSG a pleitear a anulação da assembleia e, por consequência, a anulação da eleição foi o descumprimento do estatuto da FMJ pelo presidente anterior no tocante aos prazos de convocação para a realização da AGE para a formação da comissão eleitoral. Ocorreu uma convocação em três dias, quando o estatuto determina 15 dias de antecedência. Ocorreu notório prejuízo ao JSG e demais filiados.
Budô – O que fez o professor Brandão tomar uma atitude tão radical contra um faixa preta formado por ele?
Figueiredo – Por ser nula a eleição, o professor Geraldo Brandão não reconhece Nédio Pereira como presidente e entende que todos os seus atos não produziram nenhum efeito jurídico. Se não existe presidente, então seus atos sequer existem no mundo legal e judoísta.
Budô – Na prática, quais são as consequências desta liminar?
Figueiredo – Na prática a FMJ é uma entidade acéfala há mais de um ano.
Budô – Vocês já tiveram um pedido negado pela Justiça. Qual é a probabilidade de o novo pedido de liminar ser acatado?
Figueiredo – Após a propositura da ação declaratória patrocinada por mim, o presidente anterior e o atual “realizaram” outra eleição, com a participação da atual administração e da anterior, tentando talvez de forma inócua invalidar a ação que posteriormente foi julgada procedente. Outros tentaram anular a dissimulada segunda eleição, sem sucesso, mas não havia necessidade disso, pois a sentença da primeira ação determina o retorno ao status quo anterior e anula todos os atos subsequentes.
Budô – Vários personagens deste caso são oriundos do Judô São Geraldo. Esta liminar visa a punir eventuais ilicitudes praticadas pelo atual dirigente ou busca alimentar disputas pessoais?
Figueiredo – A ação proposta visa a corrigir um descumprimento do estatuto da FMJ praticado pelo presidente anterior, que por achar que tem o controle sobre a maioria dos filiados julgou desnecessário respeitar os prazos estatutários para realizar a eleição de seu sucessor.
Budô – Seu pedido poderá ser aceito ou negado. Quais serão os próximos passos após a decisão do magistrado, seja ela qual for?
Figueiredo – Entendo que a juíza que julgou procedente a ação declaratória já tem seu juízo formado sobre a questão, e a liminar pleiteada tem o condão de evitar mais prejuízo não só ao JSG, mas também ao mundo judoísta. A concessão da liminar parece ser uma decisão óbvia e saudável para o bem da modalidade, mas depende exclusivamente da magistrada.
Budô – Como advogado e judoca, como avalia a gestão do professor Nédio Henrique à frente da FMJ?
Figueiredo – Caso a eleição seja considerada nula em definitivo, todos os seus atos praticados frente à FMJ serão tidos como inexistentes. Sobre as atitudes do indivíduo, respondo com uma célebre frase de Abraham Lincoln: “Se quer conhecer o caráter de um homem, dê-lhe poder”.
Nédio Henrique Pereira diz que seu ex-professor procura desqualificar sua gestão
Após escutar as indagações feitas pela Budô, Nédio Henrique Mendes Pereira, presidente da FMJ, rechaçou as acusações feitas por seu ex-professor e afirmou que Geraldo Brandão busca desqualificar sua gestão.
“Ao que tudo indica, a Associação Esportiva e Recreativa Judô São Geraldo tenta tumultuar a administração da Federação Mineira de Judô, repetindo a acusação de duplicidade de passaporte de candidatos, apresentada no processo 5026763-4820178130024, já derrotada em segunda instância”, disse Nédio Pereira.
Embora anulada a sentença proferida no mencionado processo pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, a juíza da 19ª Vara Cível de Belo Horizonte, Maria da Glória Reis, reconheceu a regularidade da inscrição do atual presidente da FMJ, Nédio Henrique Pereira, após avaliação das provas produzidas, ao declarar:
“Ademais, faz-se mister a análise quanto a regularidade da inscrição dos senhores Wilson Novaes Filho e Nédio Henrique Mendes da Silva Pereira, cujas participações, segundo informa a suplicante, se deram mediante a passaportes judoístas carentes de formalidade obrigatória, qual seja o documento de solicitação de transferência. Nesse tocante, ainda que a parte demandante alegue irregularidade, a demandada se desincumbiu do ônus de provar o contrário, rebatendo tais alegações e carreando aos autos do processo, em ID’s 20068220 e 20068336, provas inequívocas da regularidade dos filiados.”
Em sua avaliação, Nédio Henrique Pereira destaca que é inútil a rediscussão em torno do factoide dos passaportes, pois não é necessário que o candidato seja judoca para ser presidente da FMJ, já que o estatuto da FMJ prevê que este seja um cidadão indicado por dois associados. Além disso, lembrou que Wilson Novaes Filho sequer faz parte da atual diretoria da entidade.
De qualquer forma, o presidente da FMJ informou que se manifestará nos autos da nova ação ajuizada, após a concretização de sua citação.
Geraldo Brandão afirma que Nédio Pereira não tem cacife político e não reúne atributos para administrar a FMJ
Nosso terceiro entrevistado foi o professor kodansha 7º dan Geraldo Brandão de Oliveira, presidente da Associação Esportiva e Recreativa Judô São Geraldo, ex-presidente da FMJ, ex-professor de Nédio Pereira e autor da ação contra a federação mineira.
Budô – O que o levou a pleitear o impedimento de Nédio Henrique Pereira?
Geraldo Brandão – Primeiro, o Nédio não tem preparo administrativo, técnico e psicológico para assumir a FMJ. Foi indicado pelo antigo presidente porque não havia outro candidato. Fizeram uma eleição fraudulenta no intuito de dar sustentabilidade ao processo iniciado pelo antigo presidente, que destruiu tudo que deixei na entidade. Dois projetos aprovados pela Secretaria Estadual de Esportes, que deixei para que dessem continuidade, foram absurdamente abandonados. O primeiro seria a regionalização do judô no Estado de Minas Gerais, nos moldes daquilo que foi feito em São Paulo. Entrei em contato com o professor Francisco de Carvalho Filho, um dirigente visionário e muito à frente de seu tempo, e ele me orientou como deveria proceder. Nosso projeto foi elaborado com base em cinco regiões, o que seria uma grande consagração do judô mineiro. Meu segundo projeto era o judô nas dependências do ginásio do Mineirinho que, na época, estava abandonado. A região da Pampulha é carente de academias de judô. Reformamos toda a sala, fomos atrás de verba e de professores, e deixamos tudo pronto, mas não levaram adiante. Afastaram o melhor árbitro mineiro e um dos melhores do Brasil, o professor José Nonato da Cunha, porque foi minha testemunha numa ação que estou movendo contra a FMJ. Com isso, desmantelaram todo o quadro de árbitros, introduzindo faixas pretas novos, sem experiência para arbitrar, prejudicando os grandes atletas por falta de bagagem técnica.
Budô – Quais foram os fatos que o impeliram a radicalizar contra um faixa preta formado por você?
Geraldo Brandão – O Nédio foi meu aluno. Tenho documentos que comprovam. Foi à faixa preta 1º dan (sho-dan) comigo, mas prestando exame perante uma banca examinadora da FMJ. Quando foi indicado para ser presidente da FMJ, fizeram a sua promoção para 2º dan (ni-dan), mas esqueceram que existe a lei de transferência de atleta em nível estadual, interestadual e internacional. Essa transferência é feita num documento em quatro vias: clube de origem, clube de destino, Federação Mineira de Judô e Confederação Brasileira de Judô. O passaporte judoísta do Nédio, com toda a sua trajetória, encontra-se com o advogado Remo Ferreira de Figueiredo. Além de estar inadimplente com a entidade, Nédio foi promovido pelo Médio, transferido para o Colégio Santo Agostinho, resultando em duplo registro na FMJ.
Budô – Vários personagens envolvidos no caso são oriundos da São Geraldo. A liminar visa a corrigir eventuais ilicitudes cometidas pelo presidente da FMJ ou busca alimentar disputas pessoais?
Geraldo Brandão – Esta ação visa a corrigir, moralizar e punir as ilicitudes cometidas pelo Nédio, considerado incompetente para o cargo, em detrimento dos interesses da comunidade judoísta do Estado de Minas Gerais. Após eu ter trabalhado oito anos e três meses pelo bem do judô mineiro, prejudicando a minha saúde, família e interesses pessoais. Estando na entidade desde a sua fundação, em 10 de junho de 1961, a única coisa que eu queria ver era o judô mineiro forte, unido, dentro dos princípios morais implantados pelo professor Jigoro Kano. Seria como uma missão cumprida pelo esporte que amo e ao qual me dedico diuturnamente por longos 58 anos de forma ativa. Nada mais que isto.
Budô – Como ex-presidente da FMJ, caso consiga anular a atual gestão, existe a possibilidade de se candidatar num eventual novo pleito?
Geraldo Brandão – Não. A minha participação e contribuição como judoca foi dada durante os oito anos e três meses em que estive à frente do judô mineiro. Temos muita gente nova, sangue novo, com moralidade, conhecimento técnico e administrativo, que poderá dar continuidade aos interesses da FMJ.
Budô – E quem você indicaria para o cargo?
Geraldo Brandão – Indicaria o professor André Fernandes Chaves Filho. Ele é honesto, competente e sabe da história da FMJ. Infelizmente está muito envolvido com a área técnica e com seu projeto social, Instituto Arrasta, em conjunto com o campeão mundial Luciano Corrêa. Foi um dos sete selecionados no Brasil, para fazer um curso de capacitação na Universidade Tsukuba, em Tóquio, com o objetivo de estudar o modelo de judô nas escolas e tentar implantá-lo no Brasil. Estará viajando em setembro. É uma pena ele não poder assumir a direção da entidade.
“Liminar expõe isolamento do presidente da FMJ e o esfacelamento da gestão do judô mineiro”
Budô – Minas Gerais é um dos poucos Estados onde as ligas de judô ainda rivalizam com a federação. Recentemente o Minas Tênis Clube participou de eventos da Liga Mineira. Como vê este quadro?
Geraldo Brandão – Isto é um absurdo. Fomos convidados a participar de um evento aberto ao judô mineiro, não oficial, promovido por um clube da Liga Mineira, pois o calendário da FMJ é muito fraco e coincidentemente, o Minas Tênis participou. Lá encontrei o professor Alfredo Dorneles e a equipe do MTC. Perguntei aos atletas por que estavam participando e eles riram. Alguns disseram que o judô é universal e eu concordei, mas perguntei sobre a situação perante a FMJ, e todos disseram que o calendário estadual está muito fraco, com poucos atletas e equipes. O retrocesso foi muito grande, e estou muito preocupado com a inconsequência e a irresponsabilidade das pessoas que causaram esta situação.
Budô – Como era a sua relação com as ligas quando comandava o judô mineiro?
Geraldo Brandão – Quando fiz parte da comissão de graduação da CBJ, o professor Paulo Wanderley batia de frente com as ligas. Em São Paulo o Chico foi implacável com a liga e com as pessoas envolvidas, mas veja a potência que é o judô paulista hoje. Aqui tudo está de ponta-cabeça. Vemos árbitros da liga atuando em eventos oficiais da FMJ. Busco respostas e não encontro. A situação está tão caótica que as pessoas fazem de conta que está tudo bem.
Budô – Nédio Henrique, pouco antes de assumir a entidade, afirmou que seu maior desafio seria trazer os judocas das ligas para a FMJ. Você crê que consiga concretizar esta meta?
Geraldo Brandão – Diante do caos gerado por sua administração em tão pouco tempo, infelizmente é muito mais fácil a liga absorver a Federação Mineira de Judô e toda a sua tradição e história.
Budô – Como professor do Nédio Henrique, não lhe parece antiético acionar seu faixa preta na Justiça?
Geraldo Brandão – Claro que não. A faixa preta é um pedaço de pano. O principal motivo já exposto acima é a imoralidade do grau. Não vi o porquê da promoção dele ao ni-dan por mérito, com duplicidade de registro na FMJ e sem bagagem à altura do grau. Ele nunca fez absolutamente nada pelo judô mineiro. Minha postura jamais será antiética. É uma questão moral, e ele sabe disso.
Budô – Diante do quadro adverso e até surreal em que o judô mineiro se encontra, como filiado à FMJ qual é a sua avaliação do comportamento e atitudes do presidente da FMJ?
Geraldo Brandão – Todos que o conhecem sabem que ele é extremamente vaidoso, egocêntrico, e se acha dono da verdade. Lamentavelmente não possui carisma e muito menos autoridade moral para ocupar o cargo. Deveria ter criado uma equipe competente para assessorá-lo. Também é visto como pau mandado do ex-presidente, e tudo isso é de conhecimento geral. O grande problema do judô mineiro é que os donos de academia e os representantes com direito a voto estão insatisfeitos com a atual situação, reclamam nos bastidores, mas se calam com medo de represálias. Exatamente o mesmo quadro que vemos dos dirigentes estaduais que se calam diante dos absurdos e abusos que partem da gestão nacional. E isso é muito triste.