Durante o Campeonato Mundial de Tóquio, Saeid Mollaei foi ordenado a abandonar a competição para evitar um possível “confronto político” com Israel
Hansoku-Make
19 de setembro de 2019
Fonte BET365 I Fotos Getty e FIJ
A Federação de Judô do Irã está temporariamente suspensa de competições, atos administrativos e atividades sociais pela Federação Internacional de Judô (FIJ). A punição é consequência do caso polêmico envolvendo o judoca iraniano Saeid Mollaei, de 27 anos. Durante o Campeonato Mundial de Tóquio, no Japão, ele recebeu ordens expressas para perder e se retirar da competição por questões políticas.
Segundo informou em nota, o “comitê executivo da Federação Internacional de Judô considerou que tal conduta é intolerável e, consequentemente, decidiu, iniciar um procedimento disciplinar contra a Federação de Judô do Irã e submeter o caso à Comissão Disciplinar da FIJ em primeira instância”.
Saeid Mollaei em ação no Nippon Budokan de Tóquio
Suspensão foi baseada nas seguintes violações
- Respeito ao princípio da universalidade e neutralidade política da FIJ
- Rejeição de todas as formas de discriminação, independentemente do motivo, em particular relacionadas a raça, cor, sexo, orientação sexual, idioma, religião, política ou outras opiniões, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra situação
- Manipulação de resultados e manipulação da competição
Mollaei foi campeão mundial de 2018 e defendia seu título em Tóquio, e o israelense Sagi Muki era seu maior rival na busca pela medalha de ouro. Só havia um problema: o Irã tem uma política de boicote em competições esportivas contra atletas de Israel, mesmo que isso signifique que um esportista tenha que abandonar um torneio ou treinar anos a fio e ter que desistir de seu ideal devido a uma imposição política.
O judoca Persa disse à agência Associated Press que recebeu ordens de perder uma luta preliminar diante de um rival da Rússia para encobrir seu abandono ao Mundial. Quando ele se recusou a fazer isso e venceu, recebeu mais ligações em tom de ameaça por parte de oficiais. No fim das contas, Mollaei não chegou à final, perdeu a medalha de bronze e não pôde enfrentar Muki, que conquistou o ouro e se tornou o mais novo campeão mundial.
Segundo a Federação Internacional de Judô, a punição foi necessária especialmente porque Federação e o Comitê Olímpico do Irã não cumpriram o que tinha sido acordado. Numa carta enviada à FIJ, os órgãos afirmaram que a partir de maio deste ano se adequariam às regras de igualdade e não-discriminação do Comitê Olímpico Internacional e do estatuto da Federação Internacional. Segundo informou a FIJ em nota, agora a Federação de Judô do Irã pode entrar com recurso junto ao Tribunal de Arbitragem do Esporte. O prazo para a interposição é de 21 dias a contar da data da punição.
Depois de toda essa confusão, a rota mais provável para Mollaei seguir até os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 é através do time de refugiados do Comitê Olímpico Internacional. A FIJ está ajudando o atleta, mas ele precisa ter status de refugiado reconhecido pelas Nações Unidas. Atualmente, Mollaei vive escondido na Alemanha, onde tenta retomar a rotina de atleta.
O técnico do iraniano peso meio-médio, recebendo ordens de Reza Salehi Amiri, presidente do Comitê Olímpico do Irã por telefone, durante a competição
Comitê executivo da FIJ deu luz ao drama vivido pelo judoca persa
Quando começou a ficar claro que Mollaei e o israelense Sagi Muki poderiam se cruzar na final, uma grande pergunta formou-se na mente dos amantes do judô: finalmente veríamos um encontro entre Irã e Israel e em um grande evento de esporte olímpico? A última competição internacional entre os dois países foi em 1983 num evento de luta livre em Kiev, na então União Soviética.
Em uma série de notícias e vídeos publicados em seu site para chamar a atenção da saga do campeão mundial dos meio-médios no Mundial de 2018, sinalizando que a FIJ vai ajudar o atleta a seguir competindo, Nicolas Messner e Pedro Lausen, diretores de mídia e comunicação da Federação Internacional relataram a principal história do dia.
Pouco antes das 15:30, quando Mollaei deveria enfrentar o campeão olímpico, Khasan Khalmurzaev (RUS), o técnico iraniano recebeu uma ligação de um funcionário do Ministério do Esporte do Irã, Davar Zani, que passou a ordem que Mollaei deveria ser eliminado do torneio, seguido de uma ameaça contra Mollaei e sua família.
O judoca do Irã desabou e começou a chorar, emocionando a todos nos bastidores. O ex-judoca iraniano e atual técnico do Tajiquistão, Vahid Sarla, então chamou a diretora de competições da FIJ, Lisa Allan, dizendo que Mollaei precisava de ajuda. Acompanhado pelo secretário-geral da entidade, o francês Jean-Luc Rouge, o membro do comitê executivo Gerard Benone e seu assistente Abdullo Muradov foram ao encontro de Mollaei.
Mollaei foi amplamente amparado pela equipe da FIJ
Segundo Abdullo: “eu passei o dia com ele, o auxiliando por todo local. O ajudei com traduções, e vi o medo em seus olhos, o horror em ter que enfrentar as consequências de uma situação perversa que estava fora de seu controle. Ele estava completamente desorientado. É horrível testemunhar isso. São situações que não deveriam acontecer com qualquer atleta ou com ninguém”.
Marius Vizer intervém e garante a manutenção dos princípios fundamentais da Carta Olímpica
O iraniano pediu para encontrar Marius Vizer, o presidente da IJF, que o recebeu em seu escritório e assegurou total apoio da federação não importando a sua escolha. Ele decidiu ir aos tatamis e apesar de todo o estresse, conseguiu vencer o russo e também o canadense Antoine Valois-Fortier, medalhista de bronze nas Olimpíadas de Londres 2012.
Antes da semifinal, um funcionário da Embaixada Iraniana no Japão foi até ao evento e entrou de forma ilegal na área reservada aos profissionais do esporte, usando a credencial de um dos técnicos do País. Ao encontrar o atleta, na área de aquecimento, lhe passou novas mensagens de intimidação, que foram seguidas por uma nova ligação, desta vez de Reza Salehi Amiri, presidente do Comitê Olímpico Iraniano ao técnico de Mollaei. O atleta ouviu pelo viva-voz que agentes da Segurança Nacional estavam na casa de seus pais. Amigos de Mollaei também enviaram mensagens dizendo que pessoas foram até suas casas e pediram para seu pai seguir a lei ou teria problemas. Sofrendo essas pressões ele não teria conseguido se concentrar, perdendo as duas lutas seguintes, ficando em quinto lugar. Muitos comentaristas acusaram o judoca persa de não ter entrado com espírito de combate, o que se explica após a revelação desta história dramática.
Técnico da Alemanha conversa com o judoca iraniano
Em entrevista exclusiva ao serviço de imprensa do FIJ, Mollaei declarou: “eu poderia ter sido campeão mundial. Vim treinando duro, fiz muito esforço para chegar aqui bem. Hoje eu lutei e venci um campeão mundial, um medalhista de bronze olímpico, entre outros oponentes. Sonhei em vencer o campeonato hoje. Mas não foi meu destino: não pude competir por causa da lei no meu País e porque eu estava com medo das consequências que eu e minha família sofreremos”.
Mollaei ainda disse: “Hoje, o Comitê Olímpico Nacional do Irã e o Ministro do Esporte me disseram para não competir, que eu deveria seguir a lei. Eu sou um lutador. Quero competir de qualquer jeito. Vivo num País cuja lei não me permite fazer isso. Não temos escolha, todos atletas devem seguir a lei. O que eu fiz hoje foi pela minha vida, por uma nova vida. Nosso povo está consciente da realidade, mas não pode expressar-se livremente. Queria mostrar ao mundo que ao exilar-se, Saeid Mollaei pode ser livre e pode provar que tem o poder para tomar decisões corajosas”, disse Mollaei que finalizou fazendo um agradecimento ao presidente da FIJ.
“Gostaria de agradecer ao presidente Marius Vizer, do fundo do meu coração. Ele me disse que poderia me assegurar e me ajudar a ir para as Olimpíadas. Então, meu sonho seguirá real e eu posso me tornar um campeão olímpico. Preciso de ajuda, porque mesmo que as autoridades do meu País digam que posso voltar sem problemas, eu tenho medo. Tenho medo do que pode acontecer comigo e com a minha família”, finalizou.
O atleta persa foi punido por perseguir seu ideal e por defender princípios Olímpicos