Esportistas realizaram protesto contra proposta do governo Alckmin de entregar o complexo esportivo de São Paulo à iniciativa privada. Um grande tatame foi improvisado no meio da rua nas proximidades do ginásio
São Paulo – Medalhistas olímpicos, campeões mundiais, aspirantes a campeões e iniciantes de várias modalidades esportivas protestaram ontem (14) contra a proposta do governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB), de conceder o complexo do ginásio do Ibirapuera à iniciativa privada por até 30 anos. “É muito triste. Eu me sinto parte da história do complexo. Treino aqui desde 1988. Não sou contra modernizar, mas queremos transparência. Em nenhum momento nos foi dito o que vai acontecer, se vamos permanecer, se vai ter outro espaço pra treinar”, disse o medalhista de bronze no judô na Olimpíada de Atlanta, em 1996, e hoje responsável pelo centro esportivo de excelência do Ibirapuera, Henrique Guimarães.
O governo justifica a medida alegando que o complexo dá prejuízo. Segundo a gestão Alckmin, a arrecadação com eventos chega a R$ 4 milhões por ano. Já a manutenção do local consome R$ 11 milhões ao ano, levando a um prejuízo de R$ 7 milhões. A proposta é de uma Concessão de 30 anos, prorrogável por igual período, com investimento esperado de R$ 230 milhões, instalação de ar-condicionado e telões.
A proposta do governo também abre a possibilidade de demolição de qualquer parte do complexo, exceto o ginásio. Já existe proposta de que o estádio de futebol seja demolido para construção de uma arena multiuso para 20 mil pessoas, que abrigaria shows e outros eventos. Mas também é analisada a possibilidade de construção de um shopping center. O complexo de 110 mil metros quadrados contém o ginásio do Ibirapuera, o estádio Ícaro de Castro Melo, o conjunto aquático Caio Pompeu de Toledo, o ginásio Mauro Pinheiro e o Palácio do Judô.
O Projeto Futuro, para formação de atletas de alto nível para disputar olimpíadas e outros torneios internacionais, foi criado em 1986 pelo então secretário de Estado do Esporte Flávio Adauto. Hoje 150 adolescentes e jovens moram no alojamento do complexo, recebendo alimentação e treinamento. “Não se pode acabar assim com uma história de 30 anos. Passaram por aqui dez medalhas olímpicas. Aurélio Miguel, Tiago Camilo, Felipe Kitadai, Rafael Silva são alguns dos importantes atletas que treinaram aqui. Maurren Maggi também. Não existe local melhor em São Paulo”, destacou Guimarães.
Para o judoca, a justificativa do prejuízo como principal motivo para a concessão não se sustenta. “Programa de esporte não tem de dar lucro. É responsabilidade dos governos. Eu desafio a provar que gaste R$ 1 milhão por mês aqui. Poderia gastar, sim, mas hoje não gasta. Não tem papel higiênico no banheiro, tem luzes queimadas que nunca são trocadas. Tatame é da Federação [Brasileira de Judô]. Eu e mais três atletas olímpicos somos voluntários aqui, não recebemos nenhum centavo pra estar aqui. Já recebemos, mas o projeto acabou”, afirmou Guimarães.
Medalhista de ouro nos Jogos Panamericanos de 2007 e 2011 e medalhista de bronze na Olimpíada de Pequim, em 2008, no revezamento 4 por 100, o velocista Sandro Viana ainda hoje utiliza o Complexo do Ginásio do Ibirapuera para treinar. E lamenta a proposta do governador de conceder o espaço. “Antes de ser importante pra mim, o Ibirapuera é importante para o esporte nacional. Infelizmente, estamos aqui brigando para que o Ibirapuera não seja despejado, quando devíamos estar comemorando os 60 anos de sua história. Este é um verdadeiro legado do esporte”, disse.
Viana deixou o Amazonas para treinar em São Paulo, já que o estado natal não tinha equipamentos do tipo. Ele considera que oportunidade de viver e treinar no complexo mudou sua vida e a de sua família. E que assim pode ser para muitos jovens sonhadores como ele. “O governo quer ganhar dinheiro com este espaço. Foram 16 medalhas criadas aqui. Centenas de atletas formados. Isso é muito mais valioso que os R$ 11 milhões que gasta”, afirmou.
O velocista destacou que passou por 29 países, onde treinou e competiu. E garante que “pra baixo da linha do Equador” não há melhor equipamento para atletas. “Tem muito lugar pra fazer shopping ou balada. Não pode acabar com este só porque o neoliberalismo está interessado. Porque é área nobre. Queremos o tombamento deste local, por tudo que ele representa para o país”, afirmou Viana.
O tombamento foi pedido pelo deputado estadual Luiz Fernando Teixeira (PT), no último dia 8. o processo precisa ser analisado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) de São Paulo. “Estamos lutando contra uma loucura. Toda a base do atletismo é formada aqui. E todos estão aqui para dizer que não querem entregar o patrimônio do esporte à iniciativa privada”, afirmou Teixeira. “O Ibirapuera precisa ser modernizado e estar à disposição do esporte. A intenção nunca foi ser lucrativo”, completou.
Jovens iniciantes e outros já campeões em suas modalidades – futsal, vôlei, atletismo, judô – estiveram presentes ao ato. Assim como idosos de grupos de atividade física que utilizam o complexo. Eles fizeram apresentações durante o ato. Um grande tatame foi improvisado no meio da Rua Manoel da Nóbrega. Os velocistas corriam em torno dele, próximo dos jogadores de vôlei. Os idosos faziam atividades aeróbicas com muita música.
Aos 19 anos, a judoca Hellen Froner é campeã paulista, brasileira e panamericana. No último mundial, realizado na Hungria, ficou em 5º lugar. Para ela, o treinamento e a estrutura do ginásio do Ibirapuera foram fundamentais para sua evolução. “Foi o lugar que me abriu portas. Eu treinava em um clube pequeno, aqui tive treinamento com força, estrutura e qualidade técnica que me deram condições de chegar onde estou”, contou.
O velocista Mateus Daniel de Sá, de 21 anos, sonha com as olimpíadas de Tóquio, em 2020, e Paris, em 2024. Há cinco anos ele mora e treina no complexo Ibirapuera. E está começando os treinos de alto nível. “Hoje eu me preocupo mais com as crianças que estão começando. A gente ainda se vira, mas essa oportunidade que eu tive, ninguém mais vai ter. E isso eu não concordo”, afirmou.
Fonte: Rodrigo Gomes, da RBA
Foto: DANILO RAMOS/RBA