O judô há muito tempo tem sido o esporte mais indicado por médicos e pedagogos para auxiliar no desenvolvimento infantil. E isso não é por acaso. Quando bem orientado e treinado preenche várias lacunas e ajuda a criança a desenvolver-se em muitas áreas com um só esporte.
Como atividade física, o judô promove melhorias consideráveis na execução de movimentos que requerem maior coordenação motora. Desenvolve-se equilíbrio, condicionamento físico, noção espacial e corporal. Como atividade disciplinar, desenvolve a sociabilidade com outras crianças, o trabalho em equipe, o respeito ao professor e aos amigos e muito mais.
Todos estes estímulos contribuem muito para que a criança cresça saudável, mais concentrada e mais disciplinada tanto dentro quanto fora do dojô.
É claro que, não basta simplesmente ter um tatame e dizer que é judô que o resto acontece como mágica. Lidar com crianças não é fácil e exige certas qualidades do professor. Crianças se entediam rápido, e frequentemente perdem o foco. Isso é absolutamente normal e é tarefa do professor lidar com estes percalços. Paciência, criatividade e pulso firme nas horas certas são imprescindíveis para obter sucesso com uma turma infantil.
Não existem fórmulas de treino prontas, principalmente quando se trata de crianças. Mas a estrutura de treino abaixo, somada com a experiência e habilidade do sensei, tem se mostrado muito eficaz para manter a criançada motivada e aprendendo sempre! 🙂
Tendo como base uma turma de crianças de 4 a 10 anos e um treino com duração de 60 a 80 minutos, veja um modelo de estrutura de treino bem legal:
1 – Uma boa conversa antes de começar
Após o Rei inicial, é sempre legal tirar uns 2 ou 3 minutos para conversar sobre como foi o fim de semana, como foram na escola… e ouvir um pouco a conversa deles. Uns falarão muito, outros pouco mas é importante ouvi-los pois isso cria uma aproximação maior. Esse momento também é legal para o professor lembrá-los da disciplina durante o treino, atenção com as instruções e respeito com os colegas.
2 – Alongamento, aquecimento e brincadeiras
Assim como para os adultos, o alongamento é importante porque previne lesões. Crianças devem alongar bem o pescoço, pernas e costas.
O aquecimento e as brincadeiras muitas vezes podem ser uma coisa só. Por exemplo, brincadeiras de corrida ou pular já fazem a parte do aquecimento de uma forma divertida.
Se possível é legal escolher brincadeiras que trabalhem não só o conjunto motor mas também o psíquico, para desenvolver a inteligência corporal e o raciocínio. Algumas brincadeiras do tipo:
– Pega-pega O-soto-gari: O pegador corre para pegar os demais. Quem for pego fica congelado. Para descongelar um colega tem que aplicar O-soto-gari.
– Vivo ou morto com quedas: Alunos organizados em filas. Quando o sensei fala morto, todos fazem Ushiro Ukemi (ou outra queda). Vivo permancece de pé.
E mais uma porção de outras como, pega pega cachorrinho, pula cela, pula faixa.. Enfim, é importante também variar nos treinos para não se tornar repetitivo.
3 – Quedas
Os ukemis devem ser aperfeiçoados todos os dias. Um aluno com quedas refinadas também consegue refinar as outras técnicas mais rápido. Nesta parte do treino, quase sempre faz-se uma ou duas filas e as crianças fazem a sequência de todas os ukemis, desde a cambalhota até o zempo-kaiten-ukemi.
4 – Parte técnica
Nesta etapa do treino o sensei ensina as técnicas de pé ou solo e orienta os alunos a treinarem através de uchikomis (entradas de golpe), Nague Ais (projeções), Reraku-henka-wazas (golpes combinados), kaeshi wazas (contra golpes) e por aí vai.
Estas seções técnicas também podem ser feitas de forma divertida.. Como exemplo, Nague Ai em filas, com saltos, cronometrados, etc.
Obviamente as técnicas escolhidas devem ser condizentes com a capacidade motora e idade dos alunos. Não se deve esquecer também, que apesar de golpes de pegada de perna não serem permitidos em competições, eles podem ser ensinados sem problemas nas aulas. É também dever do professor reforçar quanto ao uso proibido destas técnicas em competições.
Geralmente após os uchikomis e treinos técnicos, pode-se aproveitar que as técnicas aprendidas estão frescas na mente e puxar lutas em forma de randoris, shiais ou yaku-soku-geikos.
5 – Termine de uma forma divertida
Após as lutas, para esfriar os ânimos e se preparar para o fim do treino, terminar com mais uma rápida brincadeira ajuda as crianças a relaxarem e irem pra casa com um sorriso no rosto. Brincadeiras mais calmas, como as de roda ou de passa a bola podem ser mais indicadas.
6 – Conversa
Antes do Rei final, é uma boa hora pra tirar mais 3 minutos de conversa. Aproveite para passar lições sobre valores como ética, respeito, comportamento escolar, aplicação nos estudos, obediência, etc. Também é uma hora legal pra se comentar sobre história do judô, significados e nomes de golpes.
7 – Esteja preparado para qualquer coisa
Como falei, lidar com crianças pode ser algo cheio de surpresas. Prepare-se para agir como pai muitas vezes durante os treinos. Conter choros e manhas é tarefa praticamente diária. Mas além disso eventualmente você vai precisar estar preparado para assoar narizes, prestar socorros, lavar pés, limpar vômitos.. Sim, isso mesmo! Crianças na sua inocência, as vezes fazem algumas peripécias que rendem várias histórias e muito trabalho para os professores. No fundo, acredito que são essas coisinhas que aproximam mais sensei e alunos… São essas dificuldades do dia a dia que tornam o sensei, aquela figura ao qual eles se espelham nos tatames.
Acredite, quando seus alunos tiverem crescido, você vai ver que no fim valeu muito a pena! 🙂